quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

O resultado

"Testa-me" - disse o monarca
com um olhar de horror
a não mais que um criadito
que limpava o corredor.
"Sua Alteza, sou apenas
um vosso humilde lacaio
permiti que me ausente
e procure o vosso aio."
"Nunca, péssima ideia
tal homem não quero ver!
É um ser sem piedade
que aumenta o meu sofrer.
Velhaco de fina estirpe
não respeita a dor que sinto
e fez troça dos meus testes 
logo a partir do quinto.
Rápido! Não fiques à toa
pousa já a creolina
preciso de uma zaragatoa
para enfiar na narina."
"Majestade, peço perdão
pelo linguajar de povo
mas creio que o resultado
por muito que seja testado  
será sempre o de rei-bobo."


terça-feira, 1 de outubro de 2019

Arquitectura bota e bira (ou Uma casa portuguesa, com certeza)



Ergueu-se a humilde casa entre dois FMI´s
O suado pé-de-meia só chegou para escavar
Os biscates lá na aldeia renderam pra betonar
E os empréstimos da família, embora por um triz
Acabaram por bastar
Para pôr os pontos nos is

Arquitectos? Prò galheiro
Noé também não lhes deu ganho
E construiu refúgio tamanho
Que abrigou o mundo inteiro

Os materiais são variados
Pois a moda ia mudando
É o que acontece quando
Se fazem obras aos bocados

Azulejos cor azul, da secção segunda escolha
Só havia nove caixas numa loja da fronteira
Foi preciso misturar, com um jeitinho do trolha
Uns mosaicos verde-alface de qualidade terceira  

E o trabalho dos vizinhos, mão-de-obra emprestadada
Em sábados infinitos, com cervejas por xaropes
Ajudou a conservar as contas da empreitada
Afastadas do gadanho do Doutor Ernâni Lopes

Casa fria e bafienta – por respeito à lusa traça
Jamais foi acusada de ter provocado mortes
E dando como exacto o filósofo da bigodaça
Deve ter por certo o dom de nos transformar em fortes

(Ou como diz o povo e eu recordo: se não me mata, então engordo)


quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Andar aos papéis

Refugiado no formalismo do decreto
Herdeiro dos roçadores de manguitos
Eis o sotôr Anacleto
A multiplicar demandas e quesitos

“Falta o papel, Sr. Vaivém
Há que fazer cumprir a lei
Não aquele que lhe pedi ontem
Mas o outro de que agora me lembrei

Já sabe, o processo não é doce
E apesar de masculino
Dá à luz processozinhos
Como se uma fêmea fosse”


segunda-feira, 9 de setembro de 2019

4º Bairro Fiscal

A morte e os impostos, únicas certezas
Se bem que o puro génio, o dinheiro e a ciência
Queiram fazer da primeira eterna sobrevivência

Ficará pois o fiscal
De mil olhos e cruzamentos
A relembrar à maralha
Aquilo que nunca falha


quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Marinha Grande


A Cinderela do século XXI
Tem preocupações ambientais
E não facilita na segurança
O seu sapato tem de ser moldado
Em vidro duplo temperado


quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Galos e Galarós


“Barcelos verde rincão
Terra lusa, nobre gente
Onde um galo morto cantou
Para salvar um inocente."


António Costa foi inaugurar o enorme Galo da artista plástica Joana Vasconcelos e, na hora da verdade, foi traído pela falta de uma pilha! Desde o dia em que Golias foi derrubado por uma pedrita que um objecto tão pequeno não atrapalhava tanto a vida a um poderoso. Sobre este contratempo há algumas considerações a tecer. Em primeiro lugar não deixa de ser surpreendente que um homem capaz de acções extraordinárias tais como colocar uma vaca a voar e juntar bloquistas e comunistas no mesmo projecto não tenha conseguido algo que já se fez em Barcelos no século XVI: extrair sons a um galináceo inanimado. Regista-se ainda a curiosidade de ver um evento destinado à promoção da cidade da Web Summit e da 4ª Revolução Industrial a ficar pendurado por uma vulgar pilha voltaica, uma das invenções da 1ª. É como se a Revolução Francesa tivesse sido interrompida por falta de ferro para construir guilhotinas.
Felizmente para a História da Arte o nosso primeiro-ministro não desiste facilmente e, recorrendo a umas piadas, conseguiu entreter a assistência até o problema estar resolvido. Esta capacidade de dar a volta a qualquer situação é já tão reconhecida por toda a gente, que existe neste momento um consenso absoluto no país: António Costa é o verdadeiro político. A única divisão a realçar é entre aqueles portugueses que referem este facto como um elogio e a restante maioria que o sublinha como um insulto. Mas nem isso é suficiente para o desmotivar, já que maiorias e minorias são conceitos que relativiza com facilidade. Por exemplo, a vitória de António José Seguro nas Eleições Europeias soube-lhe a poucochinho; já a sua derrota nas Eleições Legislativas foi a alvorada de um “tempo novo”.
Esta foi a principal lição que o actual chefe do governo aprendeu na corrida entre o burro e o Ferrari que organizou na campanha autárquica de 1993. O burro ganhou confortavelmente, tal como ele desejava, mas quem se sentou na presidência da Câmara de Loures foi novamente o candidato da CDU. Nessa altura pôde compreender a força inigualável de uma retumbante derrota. É por isso que aconselho António Domingues e Mário Centeno a manterem os olhos bem abertos no conturbado processo da Caixa Geral de Depósitos. Generoso e leal como é, António Costa fará, caso seja necessário, todos os possíveis para os presentear com as vantagens e alegrias de uma experiência desse tipo. E quando isso acontecer, não haverá galo que lhes valha.


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Eu, Centeno, o cativador



Saio da cama onde roncara
Cativo as unhas e os pêlos da cara
Tomo um bom banho, ponho a gravata
Logo pareço um tecnocrata
Cativo a baguete e fatias de queijo
Saio de casa lançando um beijo
Rua compacta, fila a parar
Cativo à esquerda pra me despachar
No Ministério os gastos rejeito
E sem cerimónias, cativo a direito
Já no almoço, perante os mordomos
Peço laranja, cativada em gomos
Quanto ao café, cativo-o com leite
Pois fica mais fraco e é um deleite
E respeito o médico, que me deu o mote
Cativo no açúcar, só meio pacote
De volta ao trabalho, défice a escalar
Não há problema, é só cativar
Saio mais cedo e sem desmazelo
Vou ao barbeiro, cativo o cabelo
Chego a casa, patilhas imberbes
Cativo a relva e mais duas sebes
Na hora da ceia cativo o pão
Mais meia pastilha para o coração
Dentes lavados, cozinha arrumada
Vou para a cama com a minha amada
Ensaio um avanço, demonstro paixão
Cativa-me as vazas, diz-me que não


terça-feira, 11 de outubro de 2016

Sermão de Santo António aos peixes de olhos em bico

Quem vai acompanhando os discursos de António Costa aos chineses já percebeu por certo que estes nunca coincidem com os discursos de António Costa aos portugueses. É como se um outro António, neste caso o Santo, tivesse separado os peixes em dois grupos e pregado um sermão diferente a cada um, dando assim origem a confusões e mal-entendidos que complicariam para sempre a vida de crentes e de teólogos.
Em Fevereiro de 2015, depois de ter passado anos a denunciar os erros do Governo e a trajectória descendente de Portugal, Costa agradeceu a uma plateia de investidores orientais o contributo que tinham dado na vitória do país sobre a crise de 2011. E agora, depois de ganhar avassaladoramente o 2º lugar das eleições legislativas com uma campanha em que se denunciava a venda de Portugal à China, viaja para lá em busca de mais compradores*. Confuso? Não, caro leitor, a palavra certa é Confúcio, o grande filósofo chinês. António Costa, quando está na presença dos concidadãos deste influente mentor da ética, honestidade e honradez, é atingido pela mesma maldição que desgraça a vida de Jim Carrey no filme Liar Liar: não consegue mentir! E como o confucionismo se dedica igualmente a fomentar o juízo e a prudência, o nosso primeiro-ministro fica também muito mais sensato quando se encontra no Império do Meio. Assim, depois de uns dias de namorico com o Bloco de Esquerda e com o PCP à luz da tributação do “grande capital”, bastou chegar a Pequim para afirmar convictamente ao PM Li Keqiang que as empresas não vão pagar mais impostos no próximo ano e que o seu Governo tem como objectivo a estabilidade fiscal. Desde o longínquo dia em que Deng Xiaoping se entregou nos braços do capitalismo que os marxistas lusitanos não recebiam uma notícia tão triste proveniente da República Popular.
Na verdade, penso que António Costa e, por arrasto, o país se encontram encurralados num anagrama: “Analecto” é um conjunto de escritos, sendo Os Analectos de Confúcio o mais conhecido exemplo para quem se deixa influenciar pela moral confucionista; “Anacleto”, por outro lado, é um nome, sendo Francisco Anacleto Louçã, um dos arquitectos da geringonça, o mais conhecido exemplo para quem se deixa influenciar pela treta moralista. Infelizmente, e dada a Geografia, enquanto os assessores e adjuntos de António Costa não começarem a ir trabalhar de robe comprido e olhos em bico, vamos continuar a ter um PM menos condicionado pela moral dos Analectos do que pelas tretas do Anacleto.
 
*eu também fui assim no Liceu: criticava a libertinagem da Rute, mas só por ela não ser libertina o suficiente para me dar uma hipótese.  

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

"A alegria da pobreza"


Diz-nos a imprensa que a Festa do Avante deste ano será ainda maior. Sustentado por uma campanha de recolha de fundos lançada em 2014, na qual foram arrecadados mais de 1,2 milhões de euros, o PCP adquiriu mais 7 hectares de terrenos contíguos à Quinta da Atalaia, transformando-se assim no maior terratenente da margem sul desde o tempo dos Condes de Atouguia. Estas são, na minha óptica, excelentes notícias. Antigamente, quando o Partido Comunista queria uma propriedade (no Alentejo, por exemplo), limitava-se a ocupá-la; agora há negociações, escrituras, pagamentos, e outras burocracias de carácter burguês! Quem disse que os comunistas não acompanham os tempos e estão mergulhados na ortodoxia marxista-leninista? 
Temos aqui, por outro lado, um retrato dos tempos sombrios vividos em Portugal durante o governo PSD / CDS. Por causa da miséria extrema imposta ao proletariado pelas políticas da direita só foi possível aos militantes do PCP, para além do pagamento das quotas, a entrega ao partido de mais 1,2 milhões de euros para aquisição de imóveis. Fica assim adiado, por culpa da exploração reaccionária patrocinada pela troika, o sonho de estender a Festa do Avante a toda a Península de Setúbal. 
A minha única interrogação, já antiga, é sobre a própria existência do evento. Habituado que estou a encarar as festas como momentos de celebração, nunca entendi bem o gigantesco acontecimento anual organizado na Atalaia. Dado o estado catastrófico do país e a pobreza generalizada que o PCP denuncia ininterruptamente desde o dia 25 de Novembro de 1975, a Festa serve para comemorar exactamente o quê?

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A Fernanda Câncio veste Prada, os Diabos ficam nus



Durante vários anos, como forma de glorificar o carácter efémero da arte, Christo e Jeanne-Claude divertiram-se a embrulhar monumentos famosos com tecido. O Reichstag berlinense e a Pont Neuf em Paris foram alguns dos locais intervencionados pelo casal de artistas, sob o olhar espantado dos habitantes das respectivas cidades. Na sua crónica no DN, Fernanda Câncio, jornalista e activista de várias causas, queixa-se de ter sido alvo de um procedimento semelhante: em 2001, quando entrava com um top de alças na Catedral de Milão, foi coberta por um pano lançado sobre si pelo padre que se encontrava na porta desse templo cristão. O objecto têxtil arremessado não é alvo de descrição detalhada mas, uma vez que o evento teve lugar em Milão, é de todo incompreensível se não se tratar, na pior das hipóteses, de um lenço Armani ou Prada.
Conhecendo eu Fernanda Câncio através de imagens televisivas e de fotografias na imprensa, considero este caso relatado pela própria como totalmente incompreensível. Tendo já utilizado várias horas da minha vida a pensar em formas de conseguir despir mulheres bonitas, nunca me passaria pela cabeça gastar um segundo que fosse a tentar tapá-las. Tratando-se de um padre, julguei que tudo não tivesse passado de uma interpretação abusiva d´ “As 14 obras da misericórdia”, nomeadamente da 3ª obra corporal - “vestir os nus”. A jornalista, no entanto, tem outra interpretação: há uma discriminação contra o sexo feminino, transversal a todas as culturas e religiões, baseada na “ideia de que o corpo das mulheres é pecaminoso, provocante ou vergonhoso e deve ser resguardado, controlado, ocultado, aprisionado em atenção aos homens (que, coitados, não se controlam) e “respeito” pelos deuses”.
Estava eu quase convencido pela força desta frase quando me lembrei das minhas próprias experiências de vida. No final dos anos 90, envergando uns calções pelos joelhos, fui proibido de entrar na Basílica de São Pedro por um segurança. Ter-me-á confundido com uma senhora com excesso de pilosidade? Como viajava com um grande amigo resolvi bem a situação: aguardei na Praça enquanto ele visitava a Basílica e depois, quando ele terminou, visitei a Basílica vestido com as suas calças. Apesar de me ficarem estupidamente compridas e largas, serviram para garantir o “”respeito” pelos deuses”. Quanto ao meu grande (e gordo) amigo, foi obrigado a esperar de cuecas num recanto da Praça, não mostrando qualquer tipo de “atenção aos homens” (que, coitados, perante tal imagem de decadência, se controlaram para não o gozar). Uns dias depois, à entrada da Mesquita Azul em Istambul, novo problema com as minhas pernas. Como o meu compreensivo amigo também estava de calções, não era possível a aplicação do esquema romano. Foi então que surgiu um aspirante a Christo que trabalhava no templo islâmico e que nos lançou uns panos com os quais fizemos duas saias. Como não estávamos numa capital da moda os objectos têxteis eram fracos. Mas mostrámo-nos agradecidos pela atenção e por não termos sido pura e simplesmente impedidos de entrar. Vejo por isso agora, após o relato da Fernanda, que há uma efectiva discriminação efectuada pela Igreja Católica contra os homens descascados, proibindo-lhes a entrada nas igrejas, enquanto fornecem panos que permitem o turismo cultural dos corpos “pecaminosos, provocantes e vergonhosos” das mulheres. Aliás, consultando as regras de admissão na Basílica de São Pedro, constato também que há uma equivalência pecaminosa dos ombros, decotes e coxas dos homens e das mulheres, mas uma nítida valorização do carácter satânico das canelas dos homens. Uma segunda discriminação, que é, aliás, partilhada pelo meu chefe, pois ainda agora estou aqui cheio de calor a trabalhar de meias e calças, enquanto observo deliciado a depilação cuidada da minha colega da frente.   


quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Yator Gasparakis



O mundo divide-se entre aqueles que dividem as pessoas em grupos e aqueles que, como eu, não o fazem. Já o mundo dos homens casados pode ser dividido em três espécies distintas: os fiéis, os infiéis, e os ps´s. O “homem ps” é o homem da terceira via; é aquele que, entre o caminho da fidelidade ao cônjuge e o caminho da infidelidade ao cônjuge, descobre um percurso alternativo que ninguém, com excepção do próprio, consegue vislumbrar. Para os homens desta espécie há uma grande variedade de situações que, não podendo ser ostentadas como pináculos da rectidão conjugal, também não devem ser consideradas como exemplos de libertinagem. O “ps” é aquele marido que dá umas voltas com outras mulheres, nunca considerando essas voltas como verdadeiras traições à sua. Os motivos invocados para justificar esse enquadramento na terceira via são diversos e podem estar relacionado com a influência do álcool no desenrolar da volta, com o facto da volta ter sido dada num fuso horário diferente do que vigora no leito conjugal, ou com a ocorrência, durante a volta, de coito interrompido provocado por um súbito ataque de remorsos. Podemos dizer que o “homem ps” não é fiel nem infiel, muito antes pelo contrário.

O nome com que baptizei esta espécie representa a homenagem que julgo devida ao Partido Socialista. Depois de termos assistido à postura do bom aluno representada por Vítor Gaspar e à postura do aluno rebelde protagonizada por Yanis Varoufakis, é de saudar a via europeia alternativa defendida por António Costa. Fazendo lembrar a velha táctica futebolística de Jaime Pacheco - jogar ao ataque, fechadinhos lá atrás - , o Ministro das Finanças que o líder do PS escolher terá de cumprir as regras europeias e bater o pé às regras europeias em simultâneo. Através de um delicado exercício de contorcionismo destinado a baralhar as instituições, tanto entrará nos salões de Bruxelas de t-shirt por fora das calças, fazendo piretes com uma mão enquanto assina os acordos com a outra, como, envergando gravata de seda e botões de punho em camisa branca, distribuirá vénias pelos colegas enquanto enfia os acordos assinados na trituradora de papel. O equilibrismo exigido por esta terceira via solicitará ao governante uma permanente atenção aos pormenores: poderá de andar de moto, à Varoufakis, mas esta terá de ser conduzida por um motorista, à Vítor Gaspar; se optar pela viatura do Ministério, assume o volante e envia o motorista para a requalificação. E deve deixar-se fotografar a almoçar com a mulher numa varanda? Sim, não há problema, desde que esta tenha vista sobre o Reichstag e a bebida seja weißbier. A tarefa do Dr. Yator Gasparakis não se avizinha nada fácil, mas o nobre princípio da coerência merece o esforço.